Confira a entrevista da Juliana Nunes ao jornal Meio&Mensagem
Engenheira com uma carreira consolidada na área de relações institucionais, atuante em diversas entidades setoriais, mãe de dois adolescentes, Juliana Nunes, vice-presidente da Brasil Kirin, se considera apenas mais um exemplo das milhões de brasileiras bem sucedidas na vida pessoal e profissional. Nesta quarta-feira, 13, a executiva toma posse na presidência da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), se tornando a primeira mulher a liderar a entidade desde sua fundação em 1959. Ela assume a cadeira num momento em que agências e anunciantes aparam as arestas após o imbróglio que levou o Cenp para a pauta do Cade em 2015. “O foco de todos é a evolução, é olhar para frente”, ressalta. Em sua primeira entrevista após a eleição, Juliana analisa os avanços da ABA na missão de transformar o marketing e a comunicação, o desafio de manter o legado da gestão do antecessor e ex-colega de Unilever João Campos e os planos de promover um maior intercâmbio com associações de outros países, fortalecer a atuação na área de advocacy e reforçar o trabalho dos comitês da entidade. Tudo com muito diálogo. “Nada é unilateral. Sempre teremos ajustes em ambos os lados, tanto no profissional, quanto no pessoal”.
Confira a entrevista:
Meio & Mensagem — A ABA tem quase 60 anos e apenas agora uma mulher assumirá o comando. Qual sua análise desse fato?
Juliana Nunes — É interessante porque é só a confirmação de uma tendência que vem acontecendo na indústria como um todo. Muitas vezes isso acaba chamando a atenção exatamente por nunca ter acontecido antes. Mas quando você olha o mercado de marketing e comunicação, essa configuração já é uma tendência nas empresas há alguns anos. Estou na ABA desde 2005, e eu tive a oportunidade de participar da criação do primeiro comitê de relações governamentais da entidade. Naquela época, era algo muito novo, principalmente por esse trabalho multissetorial. Estou te contando essa histó ria porque foi incrível o aumento espontâneo da participação feminina nos últimos oito anos à frente do comitê. Logo no início fizemos uma pesquisa que foi repetida para averiguar a configuração das áreas de relações governamentais ou institucionais nas empresas e, de fato, é realmente a confirmação de uma tendência natural de mulheres nessas posições.
M&M — Como surgiu a oportunidade de encabeçar a chapa na última eleição?
Juliana— Primeiro, fiquei muito lisonjeada com o convite. Como membro atuante e participante da ABA há algum tempo, estou sempre conversando com o pessoal. Já fazia parte da diretoria, inclusive. Foi um movimento natural quando começamos a conversar com a Sandra (Martinelli, presidente executiva da entidade) e o João (Campos, ex-presidente), e estou muito tranquila pela equipe que temos aqui — uma composição ímpar na diretoria — e, principalmente, pelo convite ter vindo do João, que é uma pessoa com quem tive a oportunidade de trabalhar por alguns anos na Unilever. Além disso, ele continua no conselho, o que é muito importante. Passa para uma esfera mais estratégica onde, sem dúvida nenhuma, essa transformação pela qual a ABA passou nos últimos dois anos vai continuar. Tenho o supermegadesafio de manter tudo que foi feito até agora.
M&M — E quais serão as prioridades da sua gestão à frente da ABA?
Juliana — Em princípio, manter todo o trabalho feito em linha com nossa missão de transformar a comunicação e o marketing. Como membros da WFA (Federação Mundial de Anunciantes, na sigla em inglês), gerar uma retroalimentação e, principalmente, trazer as tendências do que está acontecendo em vá rios países de diversos continentes. É um grande diferencial e podemos contribuir muito. Com certeza uma das prioridades é a parte de advocacy e sempre pautado por uma coisa que eu adoro fazer e que acredito genuinamente que é a constru ção, o diálogo, uma sinergia entre as diversas entidades primárias ou correlatas que têm algum tema em comum na pauta. Isso enriquece demais o diálogo e traz um produto fidedigno. Os comitês, sem dúvida, vamos manter, com optimização. Hoje temos nove e sempre estudando temas que sejam prioritários e que venham pelos nossos associados. Tem toda a parte de construção em Brasília e no Rio de Janeiro, que também tem nova diretoria sob comando do Eric (Albanese, diretor de comunicação e marca da Oi) e que tem agora a contribuição de peso do Marco Simões (representante executivo), que é um dos nossos grandes apoiadores e consultores no braço do Rio. Contamos com mais uma mulher de peso em Brasí lia, que é a Graziela (Godinho Cavaggioni, chefe do departamento de comunica- ção estratégica dos Correios e representante da entidade na cidade), e que traz outra perspectiva do ambiente da capital federal. Estou superconfiante. O grande desafio é manter o que foi feito, como o trabalho de governança que se estabeleceu. Foi feita uma revisão completa no estatuto e elaborados o código de ética, o manual de governança e o regimento interno. Acho isso muito legal. Concorrentes, com interesses diferentes, sentados na mesma mesa para negociar com regras bem transparentes e claras. Não tenho dúvida de que isso fortalece muito o debate e o diálogo.
M&M — No ano passado, a relação entre agências e anunciantes sofreu um baque quando a ABA questionou o Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp) no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Como está o diálogo entre as partes?
Juliana — O princípio tem sido esse mesmo de diálogo, de conversa, de aproxima ção. Está evoluindo com a criação de um grupo de trabalho. Tem algumas frentes com representantes de diversos stakeholders que estão diretamente relacionados ao tema. Esperamos para os próximos meses ter frutos desses grupos de trabalho que estão, em conjunto, discutindo e tentando entender todos os temas de todas as partes, exatamente para ter a posição mais fidedigna possível, que possa retratar as prioridades de cada uma das partes que integram o Cenp e conectar com o que está acontecendo no mundo.
M&M — Na manifestação oficial que fez ao Cade em 2015, a ABA disse que o desconto-padrão e outras regras das normas- -padrão do Cenp são “instrumento fora de qualquer contexto político e econômico e sem função positiva para o setor”. Disse ainda que agências, veículos e anunciantes “deveriam ter total liberdade para discutir e negociar seus interesses”. Qual é a atual posição da ABA?
Juliana — Isso está sendo discutido. Em breve teremos uma posição se isso permanece ou se evolui, e se evolui, de que maneira. É importante esperar a conclusão do trabalho que está alinhado em sinergia com temas muito maiores, como questão regulatória. Estamos falando de vários grupos de trabalho. Foi montado um comitê de negociação, composto por dois membros de anunciantes, dois de agências e dois de veículos. Este comitê criou três grupos com a mesma composi ção, mas com outras pessoas, para trabalhar nos temas remuneração, qualidade e legal. Esses quatros grupos estão trabalhando semanalmente e quando os resultados existirem, teremos prazer imenso em compartilhar com a imprensa.
M&M — O processo da ABA no Cade foi deflagrado após alguns anunciantes terem recebido uma carta do Cenp enquadrando-os como non compliance. Passado todo esse tempo, acredita que uma abordagem mais política poderia ter evitado o imbróglio?
Juliana— É difícil falar como foi no passado. É sempre um momento, e o quanto você consegue convergir. Eu consigo te falar o que estamos esperando daqui para frente. É uma discussão que começou há vá rios meses. Sem dúvida nenhuma, o foco de todos é a evolução, é olhar para frente, é estar o mais próximo possível do que está acontecendo na sociedade e no mundo como um todo. Sinceramente, não sei se é o principal ponto. Foi assim. Talvez pudesse ser diferente? Talvez sim, talvez não. O principal ponto é que todo mundo está focado em construir junto e olhar para frente.
M&M — Diversas marcas assumiram o discurso do empoderamento feminino e da igualdade de gêneros, mas, na prática, ainda há diferenças de remuneração e oportunidades no mercado, e estereótipos negativos permanecem na publicidade. O que fazer para avançar neste tema?
Juliana — Encanta-me o tema principalmente porque é quase como se fosse apenas um reflexo do que acontece na sociedade, e de uma forma espontânea. Você não pauta nem decide qual é o papel da mulher em casa, ou como ela vai contribuir, não só na questão financeira, que está relacionada ao empoderamento, mas na questão da liderança doméstica, que acontece naturalmente. O grande desafio, e quanto mais a ABA puder contribuir para isso, o fará, é identificar cases ou tendências que tenham conexão direta com o tema, que está em voga, não só no Brasil, como em outros países. A questão do empoderamento é mais uma oportunidade que se tem de você se conectar com o público-alvo por meio do marketing e da comunicação. A questão da participação das mulheres nas empresas associadas e até mesmo em outros parceiros é uma consequência, mais acelerada em alguns setores, menos em outros, e que muitas vezes está conectada com o core business. Fizemos o primeiro anuário de profissional de marketing do mercado brasileiro em 2015 e dos 20 profissionais mais influentes, nove são mulheres. Uma mulher na presidência da ABA só corrobora com uma tendência. Na diretoria do Rio, 54% são mulheres. Quando pega a composição como um todo, de conselho e de diretoria nacional, falamos de 48%. De 33 membros, são 16 mulheres, e não foi de forma impositiva, foi natural.
M&M —Você já presidiu o comitê de relações governamentais da ABA. Qual balanço faz das mudanças implementadas nos comitês na última gestão?
Juliana— Tiveram algumas revisões mais simples de operação, em termos de calendário de reuniões. Antes algumas eram mensais, agora passam a bimensais. Tem a parte de trabalho conjunto dos comitês dependendo dos temas específicos ou novos. Tem uma reorganização não só na operação naquela linha de transformar a comunicação e o marketing no sentido de fazer os temas serem transversais mesmo dentro dos próprios comitês para que você tenha diferentes perspectivas nas discussões. Parece simples a questão de tornar as reuniões bimensais, mas de fato sabemos que todos os executivos, não só os da diretoria e do conselho, como os integrantes dos comitês, têm de se desdobrar numa agenda superdisputada não só internamente com suas atribuições dentro das empresas, como com outros comitês e fóruns de outras entidades.
M&M — Qual o balanço da criação do Grupo de Líderes?
Juliana— O Grupo de Líderes é uma inovação. O papel dele é mais na linha de trazer uma série de tendências e de boas práticas de outros países, setores ou de anunciantes para compartilhar nos comitês. É quase como se esse grupo ditasse diretamente para os líderes de alguns anunciantes associados quais são as prioridades ou o que precisaríamos pôr em debate na entidade, seja pelos comitês, pelas agências ou eventos. O primeiro tema elaborado pelo Grupo de Líderes foi entregue no final do ano passado e é sobre a integração das ferramentas de marketing como ativo nos negócios. O segundo é sobre o ROI e será entregue no ENA, dia 8 de junho.
M&M — Você é formada em engenharia de alimentos. Como se deu seu envolvimento com o marketing?
Juliana — É interessante e talvez esse seja um ponto fora da curva. De fato, acabei participando do marketing muito em função das relações governamentais e de atuar numa associação que, de fato, fala de marketing e comunicação. Mas quando você atua em empresas de bens de consumo, independentemente da área em que esteja, você tem contato com o marketing, de forma direta ou indireta. Você estará contribuindo de alguma maneira. Aconteceu muito na Unilever e acontece também hoje na Brasil Kirin. A oportunidade que eu tive, há três anos, de ir pra Brasil Kirin foi muito relacionada com a parte do marketing institucional, que é outra parte muito bacana, que fala do marketing corporativo. É mais um exemplo de como acabou sendo minha trajetória profissional. Comecei na área mais técnica como estagiária, mas tive a oportunidade de ter contato com departamentos diferentes que não estavam traçados na carreira tradicional de uma engenheira de alimentos. É um pouco da minha característica: não sei como será, vamos ver e testar. Essa aproximação com o marketing e a comunicação acabou acontecendo nesse sentido. Comecei a atuar mais diretamente na parte de assuntos corporativos em 2003 e desde então tenho atuado diretamente.
M&M — Especialmente nos Estados Unidos, agências e anunciantes têm buscado alternativas para se conectar com a geração millennials. Como analisa esse trabalho aqui no Brasil?
Juliana— Primeiro, é uma geração que me encanta muito. Não só porque tenho filhos. Há uma quebra de paradigma, porque temos muito a aprender com essa geração. No âmbito da ABA, estamos estudando como trazer isso para o debate, se será grupo de trabalho, se pode permear os comitês ou se pode ter um comitê no futuro. Muitos millennials já têm papel atuante nas universidades, nas agências, nos veículos de comunicação, nos anunciantes. Obviamente, quanto mais tempo você atua, mais experiência adquire. O que mais me encanta é exatamente trazer para o debate a direção oposta, não necessariamente pela experiência, mas pelo engajamento de fazer diferente, pela vontade de transformar. Essa característica dos millennials tem sinergia ímpar com a ABA a partir do momento que falamos de forma clara que nosso compromisso é transformar o marketing e a comunicação.