quinta, 18 de dezembro de 2025

Startups, maturidade, liberdade e responsabilidade, em um bate-papo com Nelson de Sá

Por Flávio Ferrari

Quando pensamos em uma startup digital, a primeira coisa que nos vem à cabeça é um ambiente descontraído em espaços abertos (possivelmente um coworking moderninho) com mesas de jogos, almofadas, redes, um barzinho com lanches naturais e cerveja a preços decentes, o suporte tecnológico mais moderno e um grupo de jovens brilhantes e encantadores se divertindo com o desenvolvimento de seus projetos.

Essa é uma imagem parecida com a visão estereotipada que tínhamos das agências de propaganda na década de 80 e a similaridade não é casual.

As startups de sucesso têm muito em comum com as agências do passado: paixão pelo trabalho, estímulo criativo, disponibilidade de recursos financeiros e tolerância do mercado com os jovens talentosos.

Mas, em ambos os casos, essa imagem de um ambiente de trabalho paradisíaco raramente corresponde à realidade. Para cada startup “fashion” existem milhares de outras iniciativas sendo conduzidas em condições precárias por falta de um anjo da guarda (“anjos” é a denominação dos investidores iniciais nas startups), tal qual acontecia com as agências de propaganda apenas com as contas de aluguel, luz e telefone.

E mesmo as startups com suporte financeiro e bem-sucedidas, o clima de descontração costuma durar pouco. Na medida em que deixam sua infância tutelada e passam a enfrentar as crises da adolescência organizacional, a mesa de ping-pong tende a ser mais utilizada para reuniões do que para lazer.

Se tiverem a “sorte” de alcançar a maturidade, ainda que preservem a decoração “descolada”, passarão a enfrentar o dia a dia de forma semelhante a qualquer outra organização, e com o peso da pouca experiência administrativa.

Esse tema surgiu durante uma agradável e interessante conversa com Nelson de Sá, jornalista da Folha de São Paulo, que vem se dedicando à cobertura de temas relacionados com tecnologia e mídia nos últimos anos. Ele, gentil como sempre, aceitou meu convite para conversarmos sobre o livro Atitude Digital, que venho escrevendo, com direito a café e pão de queijo.

O problema de bater papo com uma pessoa inteligente e bem informada como o Nelson é a diversidade de assuntos que acabamos abordando e a multiplicidade de visões fatalmente exploradas. O tempo sempre é curto demais.

Escolhi pinçar esse ponto da conversa por sua característica óbvia-inusitada.

Nelson chamou minha atenção para o fato de que quando as startups crescem, passam a enfrentar maiores responsabilidades. “Cresceu, deixa de ser brincadeira. Passa a ter que enfrentar as responsabilidades que acompanham o poder.”

Tomar os casos recentes do duopólio digital (Facebook e Google/Youtube) como exemplo foi inevitável.

“São empresas de mídia e, portanto, corresponsáveis pelos conteúdos que publicam. Não se trata de censura, mas de responsabilidade curadora.”

A caracterização legal das redes sociais como canais de mídia ainda está em discussão em diversos países do mundo. Embora não tenham nascido com esse propósito, Google e Facebook distribuem conteúdo e disputam a verba publicitária com os meios de comunicação tradicionais. Tal qual esses últimos, criam e exploram comercialmente momentos de atenção do consumidor, conquistados através do interesse pelo conteúdo. De acordo com o Nelson “fazem parte do mesmo ecossistema, e caminham para monopolizá-lo”.

Oligopólios de mídia não são uma novidade, em especial na América Latina. “Podem colocar em risco a democracia ao priorizar os interesses financeiros das organizações, como no caso do Facebook e a Cambridge Analytica, recentemente discutido no congresso norte-americano.”

Convenhamos, fica difícil pensar em jogar ping-pong quando o congresso dos Estados Unidos está questionando suas atividades.

Nelson alerta que “regimes democráticos estabelecidos reagem automaticamente às ameaças. Se as grandes empresas oligopólicas não amadurecem para desenvolver uma visão holística do ecossistema onde estão inseridas e de suas responsabilidades, correm o risco de serem desmembradas. É uma ameaça concreta e imediata para seus negócios.”

Outro ponto interessante, que não tivemos tempo para explorar em profundidade durante a conversa, mas que vale a pena mencionar, é que a caraterização das redes sociais como empresas de mídia (e suas consequências legais) atinge o conceito do conteúdo desintermediado, uma das principais características do novo cenário da comunicação.

Em 1995, Alvin Tofler sugeriu o termo “prosumer” para denominar o consumidor da era da Internet, capacitado para produzir seus próprios conteúdos e publicá-los sem a intermediação dos tradicionais meios de comunicação.

A ideia de que uma organização que recebe o conteúdo produzido pelo consumidor e permite que ele seja acessado (equivalente a distribuí-lo) é, em essência, uma empresa de mídia, nos obrigará a repensar esse conceito.

Mas essa discussão sobre a liberdade e a responsabilidade em relação à produção e ao hosting de conteúdos vai demandar mais um café com o Nelson.

Flavio Ferrari #atitudedigital

(ps- não tivemos tempo para utilizar a mesa de sinuca do home office)

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